Mais tarde ou mais cedo o assunto vem à baila: o parto. Há quem descontraidamente considere que “logo se vê”, vai ter de nascer, de uma maneira ou outra... todos andamos aqui porque todos nascemos... Para quê complicar? Porém, diria que são mais as grávidas que de alguma maneira temem algo relacionado com o parto, do que as que acreditam que não há qualquer motivo para se preocuparem.
E o que temem as grávidas?
Temem a dor; receiam que seja um processo muito (demasiado) demorado e que por isso algo se complique; preocupam-se com o bem-estar e a saúde dos seus bebés; ponderam se serão “cortadas” e quais as implicações disso para a sua vida futura; estão inseguras relativamente à eficiência do seu desempenho nessa altura...e, finalmente, questionam se esse momento as tornará umas boas mães.
Qual a melhor forma de desmontar estes receios? Primeiro que tudo, falar com quem sabe. Falar com o obstetra, falar com os profissionais que ministram os cursos de preparação para o parto. Em segundo lugar, não ir beber informação à Internet, a não ser que tenham a certeza de que a fonte é idónea. Fontes idóneas são as publicações de instituições, de profissionais cuja seriedade e identidade sejam facilmente comprováveis, são revistas que se dedicam a esses temas, são livros da especialidade; há que evitar fóruns ou blogues de autores desconhecidos ou com formação que nada tenha a ver com a matéria em questão e que o que publicam não são mais do que opiniões pessoais...
Depois, é importante não ocultar o medo com receio também do que possam achar os outros e confessar abertamente qual o motivo de inquietação. A grávida deve inquirir diretamente quem escolheu para a esclarecer e perceber se a informação que recebe é clara e suficiente para a ajudar a ultrapassar um determinado receio.
A dor
Comecemos pela dor... Quem não tem medo da dor? Quem tem a ilusão de que um parto não dói...nada?! Dizer a uma grávida que não deve temer a dor porque o parto não dói não será com certeza tranquilizador porque ela não vai aceitar como verdade, logo, ficará ainda mais receosa porque afinal lhe mentem sobre aquilo que teme. E afinal, o parto dói ou não dói?! Dói, sim – mas temos estratégias para vencer a dor ou suportá-la melhor!
A epidural
Considerando que estamos na era da analgesia epidural, podemos garantir que temos meios suficientes para ajudar a grávida a ultrapassar a dor de forma a sentir o seu trabalho de parto de forma consciente, conseguindo tomar o controlo do que tem de fazer, mas sem dor. A analgesia epidural é uma técnica que permite retirar a dor, mas deixar sensibilidade suficiente para que a grávida tenha a perceção de que o seu bebé está prestes a nascer e que essa sensação a impele a fazer esforços voluntários para ajudar a que desça no canal vaginal. Esta analgesia era administrada classicamente quando a mulher estava em trabalho de parto com uma dilatação do colo de 3-4 cm, mas atualmente advoga-se que deva ser administrada com o acordo entre obstetra e anestesiologista quando a grávida manifestar desconforto (ou dor). Assim, o momento poderá variar de acordo com a sensibilidade da grávida, sabendo que o limiar para a dor é subjetivo, variável de pessoa para pessoa, pelo que uma grávida com um limiar elevado poderá estar já a meio do seu trabalho de parto mas não sentir dor e uma com um limiar baixo poderá, logo no início do trabalho de parto, manifestar ansiedade e desconforto por estar com dor. Correndo tudo de acordo com o esperado, a grávida não mais sentirá dor, mas apenas sensações de pressão e vontade de “fazer força” para o seu bebé nascer, na altura adequada.
Mas e quem não quer fazer a epidural? Quem, apesar do receio da dor, não a quiser abolir por meios farmacológicos? Há muitas técnicas para melhor tolerar a dor, como o ioga, o mindfulness, a acupunctura... e todas eficazes, embora de forma variável consoante o “terreno” em que são utilizadas: dependerá da forma de vivenciar a dor ao longo da vida, da melhor ou pior preparação física, sabendo-se que quem pratica atividade física de forma regular tem melhor resistência à dor e maior capacidade de concentração, da quantidade de tempo em que já vai praticando a técnica (como, por exemplo, ioga) e da maior ou menor capacidade de praticar técnicas de relaxamento...enfim, há um sem número de variantes que condicionarão o sucesso das técnicas escolhidas para controlar a dor. No meio de uma diversidade de fatores, o fundamental é que a grávida se prepare, faça opções sobre os recursos que vai querer utilizar e que confie nas pessoas que vão estar com ela. Porém, diria que, se o receio maior é a dor do trabalho de parto, os meios farmacológicos – nomeadamente a analgesia epidural – são os que melhor controlam a dor.
O processo
E quem tem receio de que seja um processo demorado? Costumo questionar: qual é o problema de ser demorado, se não existe uma hora marcada para que tudo aconteça? Desde que mãe e filho estejam bem e a progressão do trabalho de parto respeite o cientificamente aceite para se considerar que está a evoluir, não há qualquer problema. É preciso paciência para este processo; se ser demorado pode tornar-se cansativo para a grávida (e apenas isso, porque estará sem dor...), ser precipitado pode tornar-se stressante para o bebé. Assim, mais uma vez, há que confiar nos profissionais que vigiam o trabalho de parto e que aferirão se está a progredir dentro do considerado aceitável e se verificam que o bebé continua a manifestar sinais de bem-estar. Seguramente que, se houver alguma indicação de que algo se está a complicar, os profissionais tomarão as medidas adequadas para salvaguardar o bem-estar e a segurança da mãe e do bebé.
Passada a fase de desfrutar do trabalho de parto sem dor e verificar que ele se desenrolou afinal num tempo aceitável, vem o outro “papão”: o momento da expulsão com o eventual corte!
A episiotomia
Já vai longe o tempo em que se acreditava na comunidade científica que se deveria efetuar o corte do períneo – episiotomia – de forma sistemática a todas as grávidas para evitar como complicações tardias o prolapso dos órgãos pélvicos (bexiga “descaída”, ou mesmo útero ou reto). Hoje advoga-se o contrário, procurando evitar-se realizar essa técnica. A grávida poderá, nas semanas que antecedem o parto, “preparar o períneo”, por um lado trabalhando os músculos e fortalecendo-os com os exercícios de Kiegel e por outro massajando o períneo com cremes ou óleos para esse efeito, hidratando a pele, reduzindo a contração involuntária desses músculos e de alguma maneira conferindo alguma elasticidade à zona. Em acréscimo, e não menos importante, este gesto permitirá identificar a área que ficará sujeita a pressão no período expulsivo e melhor direcionar a força expulsiva.
No entanto, apesar destes cuidados, não é garantido que não possa rasgar um pouco o períneo no momento da expulsão, ou que o profissional que acompanha o parto, apercebendo-se da rasgadura iminente decida cortar um pouco preferindo um corte controlado e mais fácil de reparar do que um períneo com uma rasgadura de traçado anárquico... Pode ainda haver a necessidade de abreviar o tempo expulsivo, nas suspeita de que o bebé não estará seguro se essa fase demorar muito e tudo se fazer para o “tirar mais rapidamente”. São sempre decisões tomadas tendo em conta o interesse e o bem-estar de mãe e filho e, entre um períneo intacto e um pequeno corte para ajudar um bebé, nenhuma mãe tem qualquer dúvida sobre a opção a tomar.
O que é preciso reter? Que o corte não será feito como regra, mas que se houver uma rasgadura ou mesmo uma episiotomia, esta será certamente reparada restituindo a forma original. Os receios prendem-se com a dor da cicatrização e sobretudo com a recuperação da funcionalidade e, mais uma vez, haverá formas de controlar essa dor (aplicação de gelo, analgésicos e retirada precoce dos pontos) e, também mais uma vez, terá de haver confiança no profissional que corrige o corte... daí a algum tempo quase não haverá memória dele.
Serei capaz?
Nascido o bebé, a mãe tomará consciência de que afinal “foi capaz”! Esse outro receio, que faz questionar sobre se terá forças, se saberá como expulsar o bebé, se estará a fazer bem ou mal... Tem de se confiar também no instinto, na capacidade de leitura das mensagens que o corpo dá e, mais uma vez, nos profissionais que tranquilamente darão as indicações sobre como melhor controlar e dirigir a força no período expulsivo. Com mãe e bebé bem, tudo pode ser feito com muita calma, dá até para fazer revisões sobre o que a grávida aprendeu na preparação para o parto, permite que o bebé vá descendo devagar para distender o períneo gradualmente diminuindo o risco de laceração, pelo que se aperceberá que sim, é capaz, como as mães de todas as pessoas que a rodeiam também foram capazes!
É certo que nem todos nasceram de parto “normal”, mas o facto de se ter um parto por cesariana não é um atestado de que a mãe foi menos capaz mas, a maior parte das vezes, apenas o sinal de que houve circunstâncias – a maior parte das vezes ditadas pela Natureza – que levaram a que o parto tivesse de ser daquela forma.
Finalmente... se vai ser boa mãe? Tudo muda na sua vida naquele momento. Estará à altura dessa mudança? Esse é o receio de todas as mães mas se escutar o seu instinto no momento em que o seu bebé for colocado pele com pele sobre o seu peito, saberá como pegar, como amamentar, como aconchegar... seguramente, fará o melhor que sabe e pode em cada momento e entregar-se-á a esse amor maior sem reservas...e assim sendo não há como não ser uma excelente mãe!